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10 Fev 2021

Identificação Eletrónica e Serviços de Confiança para as Transações Eletrónicas no Mercado Interno

André Fernandes Bento
André Fernandes Bento
Responsável de Área
Jorge Silva Martins
Jorge Silva Martins
Responsável de Área
João Carminho
João Carminho
Associado Sénior
Identificação Eletrónica e Serviços de Confiança para as Transações Eletrónicas no Mercado Interno
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I. Introdução

Foi ontem publicado, em Diário da República, o Decreto-Lei n.º 12/2021, de 9 de fevereiro, que assegura a execução, na ordem jurídica interna, do Regulamento (UE) 910/2014, relativo à identificação eletrónica e aos serviços de confiança para as transações eletrónicas no mercado interno (o “Regulamento”).

Este Decreto-Lei, que vem concretizar alguns aspetos do referido Regulamento e consolidar a legislação existente em Portugal nesta matéria (como é o caso do Decreto-Lei n.º 290-D/99, de 2 de agosto, e do respetivo Decreto Regulamentar), é aplicável: (i) aos documentos eletrónicos elaborados por particulares e pela Administração Pública; e (ii) aos sistemas de identificação eletrónica que sejam notificados pelos Estados-Membros da União Europeia, em tudo o que não se encontre previsto no Regulamento.

De seguida, apresentamos, por tópicos, o regime jurídico aplicável aos documentos eletrónicos e assinaturas eletrónicas resultante da leitura conjugada destes diplomas, sendo certo que muitas destas regras já se encontram atualmente em vigor por força da aplicação direta do Regulamento e dos diplomas nacionais a ele associados (entretanto revogados pelo presente Decreto-Lei).

II. Documentos Eletrónicos

  • Definição: qualquer conteúdo armazenado em formato eletrónico, nomeadamente texto ou gravação sonora, visual ou audiovisual.

  • Admissibilidade: são genericamente admitidos em Portugal e na União Europeia, não podendo ser negados efeitos legais nem admissibilidade enquanto prova em processo judicial a um documento eletrónico (ou cópia do mesmo) pelo simples facto de se apresentar em formato eletrónico.

  • Forma: quando o seu conteúdo seja suscetível de representação como declaração escrita, satisfazem o requisito legal de forma escrita.

  • Valor probatório: em regra, são livremente apreciados pelo Tribunal. Os documentos eletrónicos: (i) que satisfaçam o requisito legal de forma escrita e contenham uma assinatura eletrónica qualificada (ver “Assinaturas Eletrónicas” infra) têm a força probatória de um documento particular assinado; (ii) que não satisfaçam o requisito legal de forma escrita e contenham uma assinatura eletrónica qualificada, fazem força probatória plena dos factos e das coisas que representam, desde que a parte contra quem são apresentados não impugne a sua exatidão. As cópias de documentos eletrónicos que não permitam a verificação e a validação das assinaturas eletrónicas neles contidas poderão ter uma força probatória igual à do respetivo original, desde que sejam atestados por um notário e a parte contra quem são apresentadas não requeira a exibição do original.

  • Documentos eletrónicos de entidades públicas: nas operações relativas à criação, emissão, arquivo, reprodução, cópia e transmissão de documentos eletrónicos que formalizem atos administrativos através de sistemas informáticos, incluindo a sua transmissão por meios de comunicação eletrónica, os dados relativos à entidade emitente e à pessoa que tenha praticado cada ato administrativo devem ser indicados de forma a torná-los facilmente identificáveis e a comprovar a função ou cargo desempenhado pela pessoa signatária de cada documento.

  • Envio e receção: em regra, consideram-se enviados (e recebidos pelo destinatário) se forem transmitidos para o endereço eletrónico definido por acordo das partes e neste for recebido. São oponíveis entre as partes e a terceiros a data e a hora da criação, da expedição ou da receção de um documento eletrónico que contenha uma validação cronológica emitida por um prestador qualificado de serviços de confiança. Os documentos eletrónicos que contenham uma assinatura eletrónica qualificada enviados por meios de comunicação eletrónica que assegurem a efetiva receção, equivalem à remessa por via postal registada; caso a sua receção seja comprovada por mensagem de confirmação dirigida ao remetente pelo destinatário que revista idêntica forma, equivalem à remessa por via postal registada com aviso de receção. A comunicação de dados e documentos com recurso a serviços qualificados de envio eletrónico, nos termos definidos nos artigos 43.º e 44.º do Regulamento, equivale igualmente à remessa por via postal registada com aviso de receção.

III. Assinaturas Eletrónicas

  • Definição: dados em formato eletrónico que se ligam ou estão logicamente associados a outros dados em formato eletrónico e que sejam utilizados pelo signatário para assinar.

  • Admissibilidade: tal como os documentos eletrónicos, são genericamente admitidas em Portugal e na União Europeia, não podendo ser negados efeitos legais nem admissibilidade enquanto prova em processo judicial a uma assinatura eletrónica pelo simples facto de se apresentar em formato eletrónico. Podem, portanto, ser livremente utilizadas para a assinatura de documentos eletrónicos, nomeadamente contratos, desde que respeitados os requisitos de forma legalmente exigidos.

  • Modalidades e valor probatório:

    • Assinaturas eletrónicas (simples ou standard): dados em formato eletrónico que se ligam ou estão logicamente associados a outros dados em formato eletrónico e que sejam utilizados pelo signatário para assinar.
      • Valor probatório: são livremente apreciadas pelo Tribunal.
    • Assinaturas eletrónicas avançadas: assinaturas eletrónicas que obedecem aos seguintes requisitos: (i) estão associadas de modo único ao signatário; (ii) permitem identificar o signatário; (iii) são criadas através da utilização de dados para a criação de uma assinatura eletrónica que o signatário pode, com um elevado nível de confiança, utilizar sob o seu controlo exclusivo; e (iv) estão ligadas aos dados por ela assinados de tal modo que é possível detetar qualquer alteração posterior dos dados.
      • Valor probatório: tal como as assinaturas eletrónicas simples ou standard, são livremente apreciadas pelo Tribunal.
    • Assinaturas eletrónicas qualificadas: assinaturas eletrónicas avançadas criadas por um dispositivo qualificado de criação de assinaturas eletrónicas e baseadas num certificado qualificado de assinatura eletrónica. Estas assinaturas devem referir-se inequivocamente a uma só pessoa singular ou representante da pessoa coletiva e ao documento ao qual é aposta.
      • Valor probatório: equivalem às assinaturas manuscritas constantes de documentos em suporte papel e criam a presunção de que: (i) a pessoa que apôs a assinatura eletrónica qualificada é o titular desta ou é representante, com poderes bastantes, da pessoa coletiva em causa; (ii) a assinatura eletrónica qualificada foi aposta com a intenção de assinar o documento eletrónico; e (iii) o documento eletrónico não sofreu alteração desde que lhe foi aposta a assinatura eletrónica qualificada. Caso o certificado com base no qual estas assinaturas tenham sido apostas esteja revogado, caduco ou suspenso na data da aposição, ou não respeite as condições legalmente exigidas, tal equivale à falta de assinatura, sendo o documento livremente apreciado pelo Tribunal.

IV. Outros Meios de Identificação Eletrónica

  • Selos eletrónicos: dados em formato eletrónico apenso ou logicamente associado a outros dados em formato eletrónico para garantir a origem e a integridade destes últimos. Tal como as assinaturas eletrónicas, estes selos também podem ser simples ou standard, avançados ou qualificados (estes últimos fazem presumir a origem e a integridade do documento eletrónico; tratando-se de um selo temporal qualificado, presume-se também a exatidão da data e hora por eles indicados). 

  • Outros meios convencionados ou aceites pelas partes (e.g. meios de identificação, de comprovação da integridade, de correção da origem dos dados ou, ainda, de atestação temporal de documentos eletrónicos).

V. Entrada em Vigor

Sem prejuízo das disposições aplicáveis por força da aplicação direta do Regulamento e dos diplomas nacionais a ele associados (que, por enquanto, ainda se encontram em vigor), o presente Decreto-Lei, no que respeita ao regime aqui apresentado, entra em vigor no próximo dia 11 de março de 2021.

Lisboa, 10 de fevereiro de 2021

Jorge Silva Martins
André Fernandes Bento
João Carminho